A MANHÃ DO MILÊNIO
De que valeu o assombro indignado
e esta perseverança que me acende
em pleno dia a estrela que me guia,
seguro do meu chão e do meu sonho?
De que valeram todos os prodígios
da ciência mergulhando nas funduras
mais escuras da terra e dominar
jamais imaginadas vastidões
para encontrar a luz fossilizada?
Do que valeu meu passo peregrino
pelo tempo, meu grito solidário,
a entrega ardente, o castigo injusto,
o viver afastado do meu povo,
só porque desfraldei em plena praça
a bandeira do amor? Do que valeu
se hoje, manhã deste milênio novo,
avança, imensa e escura bem na fronte
a marca suja da miséria humana,
gravada em cinza pela indiferença
dos que pretendem donos ser da vida,
avança escura uma legião de crianças
deserdadas do amor e todavia
capazes de sorrir: maior milagre
do século perverso que findou?
De que valeram todas as palavras
que proferi na trova da esperança?
Tão pouco, talvez nada. Não consola
saber que fiz, que fiz a minha parte,
que reparti com tantos o diamante,
que olhei o sol de frente e não fugi
(nem do meu próprio medo).
De consolo não cuido. Pois valeu.
Que tudo vale a pena quando a alma
não é pequena.*
Não sei o tamanho
da minha alma. Só sei que vou varando
o fim do rio, já posso discernir
a margem que me chama. Mas obstinado
confiante sigo no poder distante
da estrela alucinante. Que destino
de estrela é o de brilhar.
E mesmo extinta
brilhante permanece sobre o mundo.
e esta perseverança que me acende
em pleno dia a estrela que me guia,
seguro do meu chão e do meu sonho?
De que valeram todos os prodígios
da ciência mergulhando nas funduras
mais escuras da terra e dominar
jamais imaginadas vastidões
para encontrar a luz fossilizada?
Do que valeu meu passo peregrino
pelo tempo, meu grito solidário,
a entrega ardente, o castigo injusto,
o viver afastado do meu povo,
só porque desfraldei em plena praça
a bandeira do amor? Do que valeu
se hoje, manhã deste milênio novo,
avança, imensa e escura bem na fronte
a marca suja da miséria humana,
gravada em cinza pela indiferença
dos que pretendem donos ser da vida,
avança escura uma legião de crianças
deserdadas do amor e todavia
capazes de sorrir: maior milagre
do século perverso que findou?
De que valeram todas as palavras
que proferi na trova da esperança?
Tão pouco, talvez nada. Não consola
saber que fiz, que fiz a minha parte,
que reparti com tantos o diamante,
que olhei o sol de frente e não fugi
(nem do meu próprio medo).
De consolo não cuido. Pois valeu.
Que tudo vale a pena quando a alma
não é pequena.*
Não sei o tamanho
da minha alma. Só sei que vou varando
o fim do rio, já posso discernir
a margem que me chama. Mas obstinado
confiante sigo no poder distante
da estrela alucinante. Que destino
de estrela é o de brilhar.
E mesmo extinta
brilhante permanece sobre o mundo.
* Citando
Fernando Pessoa
LA MAÑANA DEL MILENIO
¿De que sirvió el
indignado asombro
y esa perseverancia que
me enciende
en pleno día la
estrella que me guía,
seguro de mi tierra y
de mi sueño?
¿De que sirvieron
todos los prodigios
de la ciencia buceando
en las honduras
más oscuras de la
tierra y dominar
vastedades jamás
imaginadas
para encontrar la luz
fosilizada?
¿De que sirvió mi
paso peregrino
por el tiempo, mi grito
solidario,
la entrega ardiente, el
castigo injusto,
vivir alejado de mi
pueblo,
sólo porque enarbolé
en plena plaza
la bandera del amor?
¿De que sirvió
si hoy, mañana de este
nuevo milenio,
avanza, inmensa y
oscura en la frente
la sucia marca de la
miseria humana,
grabada con ceniza por
la indiferencia
de los que pretenden
ser dueños de la vida,
avanza oscura una
legión de niños
desheredados del amor y
sin embargo
capaces de sonreír: el
mayor milagro
del perverso siglo que
acabó?
¿De qué sirvieron
todas las palabras
que proferí cantando
la esperanza?
De poco, tal vez de
nada. No me consuela
saber lo que hice, que
hice mi parte,
que repartí con otros
el diamante,
que miré el sol de
frente y no huí
(ni de mi propio
miedo).
De consuelo no hablo.
Pues me sirvió.
Que todo merece la pena
cuando el alma
no es pequeña.*
No sé el tamaño
de mi alma. Sólo sé
que voy llegando
al final del río, ya
puedo ver
la orilla que me llama.
Pero obstinado
sigo confiado con el
poder distante
de la estrella
alucinante. Que brillar
es el destino de la
estrella.
E incluso extinta
permanece brillando
sobre el mundo.
Thiago de Mello, Poemas preferidos por el
autor y sus lectores,
2001.
(Versión
de Pedro Casas Serra)
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