"A minha tragédia", de Florbela Espanca ("Livro de Mágoas", 1919)

Tenho ódio à luz e raiva à claridade
Do sol, alegre, quente, na subida.
Parece que a minh’alma é perseguida
Por um carrasco cheio de maldade!

Ó minha vá, inútil mocidade,
Trazes-me embriagada, entontecida!...
Duns beijos que me deste noutra vida,
Trago os meus lábios rosos, a saudade!...

Eu não gosto do sol, eu tenho medo
Que me leiam nos olhos o segredo
De não amar ninguém, de ser assim!

Gosto da Noite imensa, triste, preta,
Como esta estranha e doida borboleta
Que eu sinto sempre a voltejar em mim!...

FLORBELA ESPANCA (De Livro de Mágoas, 1919)


MI TRAGEDIA

Odio tengo a la luz, la claridad
Del sol, alegre, ardiente, en su subida.
¡Parece que mi alma es perseguida
Por un verdugo lleno de maldad!

¡Oh, mi vana, mi inútil mocedad,
Me llevas embriagada, entontecida!...
¡De besos que me diste en otra vida,
Traigo mis labios rojos, soledad!...

¡No me gusta a mí el sol, yo tengo miedo
Que lean en mis ojos el recelo
De no querer a nadie, ser así!

¡Amo la Noche inmensa, triste, umbrosa,
Como esta extraña y loca mariposa
Que siempre siento aletear en mí!...

FLORBELA ESPANCA (De Livro de Mágoas, 1919)