É NATURAL, MAS FEDE
Tudo é muito
natural. É como o mar
noturno, as ondas vão, as ondas vêm.
É como a cotidiana hipocrisia,
eu nem sei mais como se diz bom-dia.
É como o beija-flor querendo o sumo
da flor que entrega sem saber que dá.
É a gaivota planando, é natural,
o peixe que ela viu já foi-se embora,
desesperança alada, de perfil.
noturno, as ondas vão, as ondas vêm.
É como a cotidiana hipocrisia,
eu nem sei mais como se diz bom-dia.
É como o beija-flor querendo o sumo
da flor que entrega sem saber que dá.
É a gaivota planando, é natural,
o peixe que ela viu já foi-se embora,
desesperança alada, de perfil.
De frente é o olhar,
que logo se desvia
da legião deserdada, é natural.
É a cascata descendo, é o girassol
humilde na esperança de uma luz
que lhe brinde o favor da poluição.
É tudo, tudo, muito natural.
A paloma cagando na cabeça
da princesa esculpida em solidão.
É como aquela antiga mão do índio
que eu vi tremendo na perfuratriz
num sovacão da mina boliviana.
É como a história natural das águas
que fazem dos rebojos o mau fim
dos homens que perseguem seringueiras,
destino duro do meu tio Joaquim.
da legião deserdada, é natural.
É a cascata descendo, é o girassol
humilde na esperança de uma luz
que lhe brinde o favor da poluição.
É tudo, tudo, muito natural.
A paloma cagando na cabeça
da princesa esculpida em solidão.
É como aquela antiga mão do índio
que eu vi tremendo na perfuratriz
num sovacão da mina boliviana.
É como a história natural das águas
que fazem dos rebojos o mau fim
dos homens que perseguem seringueiras,
destino duro do meu tio Joaquim.
É tudo natural na
Venezuela:
o povo come ardências de óleo sujo
enquanto as autopistas te deslumbram
e forjas teorias on the rocks.
A solidariedade se transforma
em favor, os crimes em memória,
ninguém mais se comove e se acostuma
à dor da mordidura em pleno peito.
Quero voltar pro morro, é natural,
pois lá é que estão as curvas da chinela
da morena que um dia, fatigada,
queria mais, que eu fosse dentro dela,
como um rei, um brinquedo, uma agonia,
e então nós fomos juntos sendo a vida,
mas de repente a morte, é natural.
o povo come ardências de óleo sujo
enquanto as autopistas te deslumbram
e forjas teorias on the rocks.
A solidariedade se transforma
em favor, os crimes em memória,
ninguém mais se comove e se acostuma
à dor da mordidura em pleno peito.
Quero voltar pro morro, é natural,
pois lá é que estão as curvas da chinela
da morena que um dia, fatigada,
queria mais, que eu fosse dentro dela,
como um rei, um brinquedo, uma agonia,
e então nós fomos juntos sendo a vida,
mas de repente a morte, é natural.
Tudo é tão natural,
é como o céu
estrelado demais da minha terra
cobrindo o sonho opaco de um menino
— mordido de carapanã, caralho! —
que sequer sabe onde começa a fome.
As vozes do Salgueiro, na avenida,
porta-estandarte verde, me perguntam:
— E você sabe onde termina o céu?
E você sabe onde termina a terra?
E você sabe onde termina o mar?
Canto que não, naturalmente não.
Tenho muitos mistérios misturados,
curtidos em salmoura fedorenta.
Alguns serão matéria de mercado,
como o meu coração que, tantas vezes
exposto esteve em campos de amapolas,
mas nunca foi comprado, é natural.
estrelado demais da minha terra
cobrindo o sonho opaco de um menino
— mordido de carapanã, caralho! —
que sequer sabe onde começa a fome.
As vozes do Salgueiro, na avenida,
porta-estandarte verde, me perguntam:
— E você sabe onde termina o céu?
E você sabe onde termina a terra?
E você sabe onde termina o mar?
Canto que não, naturalmente não.
Tenho muitos mistérios misturados,
curtidos em salmoura fedorenta.
Alguns serão matéria de mercado,
como o meu coração que, tantas vezes
exposto esteve em campos de amapolas,
mas nunca foi comprado, é natural.
Outros serão caterva
de alçapões:
químico, turvo, o mundo me penetra
pelos poros mais podres, me rebelo,
não posso me entregar. Homem do Atlântico
pasto da luz latino-americana,
conheço a petroquímica ao reverso:
um fogo que se entrega à atmosfera,
fedento triste e inútil, enquanto hormônios,
enquanto pernas, enquanto fervores,
na solidão soturna das cidades,
na entressombra dourada das favelas,
se abraçam procurando a primavera
numa chama que nunca vai jamais
erguer a liberdade, é natural,
desse escuro porão, refúgio do homem,
mordido pelo sol do escorpião.
químico, turvo, o mundo me penetra
pelos poros mais podres, me rebelo,
não posso me entregar. Homem do Atlântico
pasto da luz latino-americana,
conheço a petroquímica ao reverso:
um fogo que se entrega à atmosfera,
fedento triste e inútil, enquanto hormônios,
enquanto pernas, enquanto fervores,
na solidão soturna das cidades,
na entressombra dourada das favelas,
se abraçam procurando a primavera
numa chama que nunca vai jamais
erguer a liberdade, é natural,
desse escuro porão, refúgio do homem,
mordido pelo sol do escorpião.
Thiago de Mello, Poesia
comprometida com a minha e a tua vida, 1975.
ES NATURAL, PERO HIEDE
Todo es muy natural. Es
como el mar
nocturno, las olas van,
las olas vienen.
Es como la hipocresía,
ni sé ya como se dice
buenos días.
Es como el colibrí
queriendo el néctar
de la flor que entrega
sin saber que da.
Es la gaviota
planeando, es natural,
aunque el pez que vio
de soslayo
ya se fue, alada
desesperanza.
Es la mirada de frente,
que inmediatamente se desvía,
de la legión
desheredada, es natural.
Es la cascada cayendo,
es el girasol
humilde con la
esperanza de una luz
que el favor de la
polución le brinde.
Es todo, todo, muy
natural.
La paloma cagando en la
cabeza
de la princesa
esculpida en soledad.
Es como aquella antigua
mano del indio
que vi temblando en la
taladradora
de una excavación en
la mina boliviana.
Es como la historia
natural de las aguas
que hacen de los
remolinos el triste final
de los hombres que
persiguen caucheras,
duro destino de mi
tío Joaquín.
Es todo natural en
Venezuela:
el pueblo come ardores
de óleo sucio
mientras las autopistas
te deslumbran
y forjas teorías on
the rocks.
La solidaridad se
transforma
en favor, los crímenes
en memoria,
nadie se conmueve y se
acostumbra
al dolor de la
mordedura en pleno pecho.
Quiero volver para
morir, es natural,
pues es allí donde
están las curvas de la chinela
de la morena que un
día, fatigada,
quería más, que yo la
penetrara,
como un rey, un
juguete, una agonía,
y entonces nos unimos
alcanzando la vida,
pero de repente la
muerte, es natural.
Todo es tan natural, es
como el cielo
más estrellado de mi
tierra
cubriendo el oscuro
sueño de un niño
-picado de mosquitos,
¡cojones!-
que siquiera sabe donde
comienza el hambre.
Las voces de Salgueiro,
en la avenida,
portaestandarte verde,
me preguntan:
— ¿Y usted sabe
dónde acaba el cielo?
¿Y usted sabe dónde
acaba la tierra?
¿Y usted sabe dónde
acaba el mar?
Contesto que no,
naturalmente.
Tengo muchos misterios
mezclados,
curtidos en hedionda
salmuera.
Algunos serán objeto
de mercado,
como mi corazón que,
tantas veces
estuvo expuesto en
campos de amapolas,
pero nunca fue
comprado, es natural.
Otros serán caterva de
trampas:
químico, turbio, el
mundo me penetra
por los poros más
podridos, me rebelo,
no puedo entregarme.
Hombre del Atlántico
pasto de la luz
latinoamericana,
conozco la petroquímica
por detrás:
un fuego que se entrega
a la atmósfera,
hediendo triste e
inútil, mientras hormonas,
mientras piernas,
mientras fervores,
en la soledad taciturna
de las ciudades,
en la media sombra
dorada de las chabolas,
se abrazan buscando la
primavera
en una llama que nunca
jamás
va a elevar la
libertad, es natural,
de ese oscuro sótano,
refugio del hombre,
Thiago de Mello,
Poesía comprometida con mi vida y la tuya, 1975.
(Versión de Pedro
Casas Serra)
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