NARCISO CEGO
Tudo o que de mim se
perde
acrescenta-se ao que sou.
Contudo, me desconheço.
Pelas minhas cercanias
passeio — não me frequento.
Por sobre fonte erma e esquiva
flutua-me, íntegra, a face.
Mas nunca me vejo: e sigo
com face mal disfarçada.
Oh que amargo é o não poder
rosto a rosto contemplar
aquilo que ignoto sou;
distiguir até que ponto
sou eu mesmo que me levo
ou se um nume irrevelável
que (para ser) vem morar
comigo, dentro de mim,
mas me abandona se rolo
pelos declives do mundo.
Desfaço-me do que sonho:
faço-me sonho de alguém
oculto. Talvez um Deus
sonhe comigo, cobice
o que eu guardo e nunca usei.
Cego assim, não me decifro.
E o imaginar-me sonhado
não me completa: a ganância
de ser-me inteiro prossegue.
E pairo — pânico mudo —
entre o sonho e o sonhador.
acrescenta-se ao que sou.
Contudo, me desconheço.
Pelas minhas cercanias
passeio — não me frequento.
Por sobre fonte erma e esquiva
flutua-me, íntegra, a face.
Mas nunca me vejo: e sigo
com face mal disfarçada.
Oh que amargo é o não poder
rosto a rosto contemplar
aquilo que ignoto sou;
distiguir até que ponto
sou eu mesmo que me levo
ou se um nume irrevelável
que (para ser) vem morar
comigo, dentro de mim,
mas me abandona se rolo
pelos declives do mundo.
Desfaço-me do que sonho:
faço-me sonho de alguém
oculto. Talvez um Deus
sonhe comigo, cobice
o que eu guardo e nunca usei.
Cego assim, não me decifro.
E o imaginar-me sonhado
não me completa: a ganância
de ser-me inteiro prossegue.
E pairo — pânico mudo —
entre o sonho e o sonhador.
Thiago de Mello (Narciso cego, 1952)
NARCISO CIEGO
Lo que se pierde de mí
acrecienta lo que soy.
Con todo, me
desconozco.
Por mis contornos
paseo
— no me visito.
En fuente yerma y
esquiva
flota, íntegro, mi
rostro.
Pero no me veo nunca: y
sigo
con el rostro
semioculto.
Oh qué amargo es no
poder
cara a cara contemplar
aquello que ignoto soy;
distinguir hasta qué
punto
soy aquel que me
soporto
o es numen no revelado
que (para ser) viene a
mí,
a vivir conmigo, en mí,
pero me deja si ruedo
por
las laderas del mundo.
Me deshago de mi sueño
y me hago sueño de
alguien
oculto. Tal vez un Dios
sueñe conmigo, codicie
lo que guardo y nunca
usé.
Ciego así, no me
descifro.
E imaginarme soñado
no me completa: el afán
de ser entero persiste.
Y oscilo — pánico
mudo —
entre sueño y
soñador.
Thiago de Mello
(Versión de Pedro Casas Serra)
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