FIM DE MUNDO
Como em dia qualquer,
a vida avança.
Eis quando, sem motivo, se enfraquece
a rigidez geométrica do espaço.
Súbito o sol estanca o seu girar
e se eterniza em puro meio-dia.
Noites, contudo várias, simultâneas
irrompem dos abismos; outras luas
derramam seu palor — maciamente
o equilíbrio do mundo se desfaz.
Nenhum estrondo turva, todavia,
o sossego do mundo em seu desfecho,
e a paisagem terrestre pouco sofre.
Os templos não desabam, edifícios
permanecem erguidos, e das torres
a sombra invade a rua, cautelosa;
não se interrompe o florescer nos campos.
Apenas, vagarosa, já se escoa
dos seres a substância que os anima.
Os pássaros se esquecem dos seus cantos,
os cavalos, aflitos, se prosternam,
e dos olhos dos bois vai se apagando
a solene humildade; silenciosa
uma estéril brandura envolve as feras.
Eis quando, sem motivo, se enfraquece
a rigidez geométrica do espaço.
Súbito o sol estanca o seu girar
e se eterniza em puro meio-dia.
Noites, contudo várias, simultâneas
irrompem dos abismos; outras luas
derramam seu palor — maciamente
o equilíbrio do mundo se desfaz.
Nenhum estrondo turva, todavia,
o sossego do mundo em seu desfecho,
e a paisagem terrestre pouco sofre.
Os templos não desabam, edifícios
permanecem erguidos, e das torres
a sombra invade a rua, cautelosa;
não se interrompe o florescer nos campos.
Apenas, vagarosa, já se escoa
dos seres a substância que os anima.
Os pássaros se esquecem dos seus cantos,
os cavalos, aflitos, se prosternam,
e dos olhos dos bois vai se apagando
a solene humildade; silenciosa
uma estéril brandura envolve as feras.
À terra o mar
devolve os seus defuntos,
mas rejeita-os a terra. Já são muitos
aqueles que fugiram de seus túmulos
e em confusa linguagem se interpelam
ante o assombro do vivo face à morte.
O assombro mesmo é curto: se dissolve
quando o barro que deu aos seres forma,
e trânsito aos amores e desejos,
vazio dos adornos incorpóreos
então se abraça à argila primitiva.
Sobra dos homens algo sobre o mundo
— pasto do tempo: as vestes e os sapatos.
mas rejeita-os a terra. Já são muitos
aqueles que fugiram de seus túmulos
e em confusa linguagem se interpelam
ante o assombro do vivo face à morte.
O assombro mesmo é curto: se dissolve
quando o barro que deu aos seres forma,
e trânsito aos amores e desejos,
vazio dos adornos incorpóreos
então se abraça à argila primitiva.
Sobra dos homens algo sobre o mundo
— pasto do tempo: as vestes e os sapatos.
A pena de existir
logo abandona
o murcho coração das criaturas
e vai pousar agreste sobre as pedras
e as pedras se interrogam, conturbadas.
O mistério da vida enfim se irmana
ao mistério da morte: assim fraternos
emigram do terreno, sobrepairam,
escarnecem dos seres dissipados
e aos poucos vão tecendo a nebulosa,
berço talvez do próximo universo.
o murcho coração das criaturas
e vai pousar agreste sobre as pedras
e as pedras se interrogam, conturbadas.
O mistério da vida enfim se irmana
ao mistério da morte: assim fraternos
emigram do terreno, sobrepairam,
escarnecem dos seres dissipados
e aos poucos vão tecendo a nebulosa,
berço talvez do próximo universo.
Thiago de Mello (Narciso cego, 1952)
FIN DEL MUNDO
Como un día
cualquiera, la vida avanza.
Entonces, sin motivo,
se comprime
la rigidez geométrica
del espacio.
Súbitamente el sol
detiene su giro
y se eterniza en puro
mediodía.
Noches, pero varias,
simultáneas,
irrumpen de los
abismos; otras lunas
derraman su palidez —
blandamente
el
equilibrio del mundo se deshace.
Sin embargo, ningún
estruendo turba,
en su final, el sosiego
del mundo,
y el paisaje terrestre
sufre poco.
No caen los templos,
los edificios
permanecen en pie, y la
sombra
de las torres invade la
calle, cautelosa;
no se interrumpe el
florecer del campo.
Sólo, calmosa, de los
seres
se escurre ya la
substancia que los anima.
Los pájaros olvidan
sus cantos,
los caballos,
afligidos, se prosternan,
y de los ojos de los
bueyes va borrándose
la solemne humildad;
silenciosa
una
estéril mansedumbre envuelve a las fieras.
El mar devuelve a la
tierra sus muertos,
pero la tierra los
rechaza. Son muchos ya
los que salieron de sus
tumbas
y en confuso lenguaje
se interpelan
ante el asombro de los
vivos frente a la muerte.
El propio asombro es
breve: se disuelve
cuando el barro que dio
forma a los seres,
y movimiento a los
amores y deseos,
vacío de los adornos
incorpóreos
se abraza a la arcilla
primitiva.
Queda algo de los
hombres sobre el mundo
—
pasto del tiempo: vestidos y zapatos.
La pena de vivir
abandona inmediatamente
el corazón marchito de
las criaturas
y va a posarse agreste
sobre las piedras
y las piedras se
interrogan, turbadas.
El misterio de la vida
finalmente se hermana
al misterio de la
muerte: así fraternos
emigran de la
superficie, planean por encima,
se burlan de los
disipados seres
y poco a poco van
tejiendo la nebulosa,
cuna quizá del
próximo universo.
Thiago de Mello
(Versión de Pedro Casas Serra)
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